quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Contardo Calligaris escreveu sobre O Signo da Cidade

Leia o texto que o Contardo Calligaris publicou na sua coluna na Ilustrada, Folha de São Paulo, no dia 24/01.

"O signo da cidade"
Contardo Calligaris
"Numa noite da semana passada, estive na festa de aniversário de um amigo que mora ao norte da avenida Paulista. Eu moro não muito longe dele, mas ao sul da Paulista. A paisagem urbana visível pelas janelas de nossos apartamentos é, portanto, diferente -salvo pela silhueta dos prédios mais altos e pelas antenas da Paulista, que ambos avistamos, embora de lados opostos. Naquela noite, aliás, a nova antena digital da Globo brilhava esverdeada.
Gosto das antenas da Paulista. Sua luz, que todos podemos enxergar contra o céu escuro, funciona um pouco, para mim (sobretudo num fim de festa, quando é hora de a gente se separar), como o sinal de que, por mais que estejamos "perdidos na noite suja", a cidade não é apenas uma expressão geográfica. As antenas da Paulista, em suma, não são nenhum Cristo Redentor, mas são alguma coisa: um símbolo incerto, mas por isso mesmo talvez mais adequado à realidade urbana.
Justamente, há uma antena da Paulista no filme que estréia amanhã, "O Signo da Cidade", de Carlos Alberto Riccelli, com roteiro de Bruna Lombardi e do próprio Riccelli. É, por assim dizer, uma antena que fala e também escuta: no filme, Teca (Bruna Lombardi) é a astróloga de um programa de rádio. Noite adentro, ela recebe as chamadas dos que não agüentam mais a dureza da vida, seu próprio silêncio e a surdez dos outros. E Teca responde como pode, com ou sem a ajuda dos astros.
O roteiro, então, é plural, composto de uma variedade de histórias (como alguns dos meus filmes preferidos, "Magnólia" ou "Crash - No Limite"), mas, graças à figura central de Teca, as diferentes histórias tocam, por assim dizer, uma música só -o filme é uma pequena sinfonia da cidade.
Certo, as vidas que se cruzam podem ser cruéis e solitárias. Há a moça deitada no sangue de um aborto que ela produziu à força, num hotel miserável. Há o moço que se perde pelas ruas porque sua mãe se suicidou. Há o agente de viagem picareta, o assaltante-segurança, o pai de Teca que está morrendo no hospital, o travesti que esbarra na violência da noite, uma sem-teto que dá à luz num estacionamento e por aí vai.
Essa turma de vira-latas somos nós: paradoxalmente próximos e separados, cruzando a cada dia com centenas de destinos sobre os quais, claro, não queremos saber nada -nem o óbvio, ou seja, que eles nunca nos são completamente estrangeiros.
Na aldeia, passando pela fazendola do vizinho, posso me preocupar com ele: não vi sua luz acesa ontem, será que ele está bem? Mas, para conseguir atravessar o viaduto do Chá, preciso esquecer a humanidade que compartilho com os outros, preciso que a vida deles não me interesse, preciso fechar um pouco os ouvidos e os olhos. É a regra da vida urbana. Por isso, os filmes urbanos plurais, em geral, são amargos.
Esse não é o caso do filme de Riccelli. Talvez seja por seu jeito tocante de filmar a cidade, que, embora familiar e reconhecível, torna-se "encantada" e, embora brutal, torna-se estranhamente amável. Ou talvez seja pela qualidade do próprio roteiro ou pela bonita atuação de Bruna Lombardi (e de todos os atores, de fato). De qualquer forma, o fato é que "O Signo da Cidade" consegue um pequeno milagre: é um filme sobre a selvageria da convivência urbana, mas terno e comovedor.
Assisti ao filme pela primeira vez na Mostra de Cinema de São Paulo e voltei a pé do shopping Frei Caneca até os Jardins, feliz, por uma vez, de estar sem carro. Olhava para os paulistanos que eu cruzava como numa brincadeira que fazia quando criança: caminhava pelas ruas no fim do dia, olhava para as janelas, sonhava e tentava me identificar com as vidas que ali aconteciam, tão próximas da minha e tão diferentes dela.
Entro em férias e volto a escrever depois do Carnaval, em 14 de fevereiro. Graças ao "Signo da Cidade", saio de São Paulo com nostalgia.
Por coincidência, o filme estréia em 25 de janeiro. É o aniversário da cidade. A produção anunciou que, por isso mesmo, amanhã, dia 25 de janeiro, o ingresso custará só R$ 1. Não perca: não posso imaginar melhor maneira de celebrar o aniversário de São Paulo.
Eu sei, em geral, tendemos a pensar que não há nada para festejar. Pois bem, o filme nos ajuda a acreditar que talvez não seja bem assim, que talvez ainda seja possível apostar na convivência de tantos humanos nestes poucos quilômetros quadrados".

Um comentário:

Anônimo disse...

É...,
o signo da cidade.
Eu realmente esperava mais do filme. Há histórias dentro da própria história ainda sem resposta.
As pessoas simplesmente acabam e a vida não é assim.
Eu acredito em destino, eu acredito sim no livre arbítrio também.
E a vida é assim cheia de contrastes como a própria cidade que se descortina no filme.
Deu-me a impressão que haverá uma continuidade(risos...) e a doce quase certeza, que já vi "esse filme" de uma forma "teclante" no início o novo século( faz um bom tempo,bom em todos os sentidos).
Adoro vc Bruna sempre acreditei na tua beleza interior e exterior.Parabéns !!!
Beijoka